Mangá na Japan House
Comecei minha alfabetização lendo histórias em quadrinhos como Turma da Mônica, Marvel, DC e o que mais aparecesse pela frente mas não me lembro, nessa época, de ter conhecido uma revista de Mangá.
Já os animes, que chamava apenas de desenho animado japonês, eram os mais fáceis de consumir da cultura japonesa e na infância as séries “Guzula”, “Super Dínamo”, “O Judoca”, “Sawamu o Demolidor” e é claro “Speed Racer” eram meus preferidos.
Ao longo de meu aperfeiçoamento artístico , passei a ver muito mais nas animações em geral, em relação aos quadrinhos, um grande atrativo e melhor exemplo para entender a dinâmica de movimento que resultava em motivação e estímulo para desenhar.
Em especial nos animes o início do movimento, a transição e seu final sempre foram fluídos e vigorosos e ainda hoje acho imbatível a dinâmica da sua ação.
Devido ao meu apreço pelo desenho técnico sempre me atentei aos detalhes dos personagens robóticos, mecânicos ou nos equipamentos usados por outros em suas aventuras pois a precisão no traço sempre foram extremamente técnicos e caprichados.
Me enchiam os olhos principalmente animes como Yamato, no Brasil chamado de Patrulha Estelar – já adianto aqui meu desejo de fazer um vídeo especial comentando essa série(!) – e Gundam, robôs com armaduras simplesmente sensacionais.
Durante as aulas no curso de desenho e ilustração era muito comum entre os alunos o trânsito de histórias em quadrinhos variadas e vez ou outra me aprimorava um pouco mais meu conhecimento sobre quadrinhos japoneses mas só fui mesmo ter uma noção real e prática do estilo quando, já trabalhando profissionalmente, caiu em minhas mãos a chance de ilustrar a capa da edição brasileira de um mangá de sucesso no Japão.
Um tal de Akira, de um autor chamado… Katsuhiro Otomo.
Pois é, agora eu sei(rs) do impacto global causado por essa obra.
Fiz a capa e realmente não dei muita importância para a obra e sua história porque, no meu caso, em início de carreira, queria apenas volume de produção e assim o que chegava na minha prancheta não poderia demorar para ser finalizado justamente para dar lugar para outro trabalho.
Era uma época analógica, de muito pincel e aerógrafo na produção de meus trabalhos.
Tempos depois e por insistência de um grande amigo, o S. T., eu fui ver na mesma semana de lançamento um anime no cinema e somente esse fato já seria uma grande novidade e o tal anime era o filme do Akira.
Mesmo tendo forte ligação com as animações em geral eu as conhecia pela TV somente e imaginei que veria apenas um anime padrão em uma tela grande.
Quase caí da cadeira!
Fui pego totalmente desprevenido por uma animação alucinante, frenética, violenta, com uma trilha sonora incrível, personagens bem definidos…nossa, que filme!
O resultado foi o reforço de minha paixão pela técnica de animação dos animes mas até aquele momento minha ignorância sobre mangás perdurava.
Até que chegou o mês de novembro de 2019 em que mais uma vez fui salvo pela indicação do grande amigo S. T., pois pude visitar e conhecer o espaço Japan House para conferir de perto palestras, demonstrações ao vivo da arte do mangá e a exposição “Isto é Mangá” de Naoki Urasawa.
Bem, posso dizer que…um momento, na verdade posso afirmar que existe tratamento de choque que cura a ignorância ao mangá e o nome desse tratamento é Naoki Urasawa.
E não estou dizendo isso só porque a exposição fora montada de uma forma que você fica integrado com a arte do artista, ou de uma forma onde é possível sentir a produção de seu trabalho ou de ser composta por mais de 600 obras!
Não por isso, mas porque pude ter o privilégio, a chance, a oportunidade de ver de perto, quase que tocando as artes originais(!!!) correspondentes aos mangás publicados e com o bônus de acompanhar as histórias através da leitura de textos em português adaptados sobre os balões de diálogos nessas artes.
Nos painéis em que essas histórias estavam fixadas haviam orientações de leitura indicando como ler os respectivos mangás e assim pude saborear principalmente dois títulos da sua obra que foram “Iwawara” e “20th Century Boys”.
Que experiência!
Minha admiração pelo trabalho de Naoki , até então um total desconhecido para mim, foi instantânea e a medida que percebia o que já havia deixado de apreciar em termos de leitura de mangás com o passar do tempo foi como se ouvisse a voz do curador da exposição, Marcello Dantas, me dizendo “…então você nunca leu mangás? Sem problemas, comece com o melhor autor da atualidade”.
Sério, já elegi meu primeiro mangá para omeçar e é o “20th Century Boys”.
Robô gigante, intrigas temporais, salvar o mundo…que sinopse instigante, que arte incrível.
E olha só, comecei minha primeira leitura oficial de mangá diretamente pelos originais …,repito, os originais do autor!
Depois dessa imersão cultural fui me acalmar nas palestras que em dias separados totalizaram um total de três onde destas destaco duas que foram demonstrações ao vivo de técnicas de mangá.
A primeira delas foi ministrada pelo mangaká, nome dado ao autor de mangás, Mauricio Ossamu e que é responsável pelo primeiro curso no Brasil com um mangaká japonês.
A segunda demonstração ao vivo foi ministrada pelo professor da mesma escola do mangaká, Israel Guedes que destacou o uso das canetas marcadoras Copic sobre artes a traço originais e que apresentam resultados muito semelhantes à aquarela.
Porém é preciso destacar um fato interessante que me ocorreu ao assistir a demonstração ao vivo do mangaká Mauricio Ossamu.
Já comentei no post sobre Conan, o Bárbaro como suas histórias em quadrinhos foram importantes para minha formação de ilustrador.
Naqueles quadrinhos haviam a utilização de um recurso que já conhecia mas que nunca tive a chance de usar, a aplicação das chamadas retículas.
Mas somente muito tempo depois é que viria a conhecer essas películas adesivas fornecidas em diversos padrões de tonalidades e degrades formados por disposições de pontinhos responsáveis por belos efeitos nas artes em que eram aplicadas.
A primeira vez que fiz na prática a aplicação de retículas foi durante um período incrível em que trabalhei fazendo ilustração técnica para catálogos de aparelhos.
Basicamente eram ilustrações feitas com nanquim sobre papel vegetal e que formavam a documentação técnica dos respectivos aparelhos.
Como os desenhos eram composto somente por linhas surgiu a necessidade de melhorar o acabamento e o uso da aplicação de retículas proporcionou aspecto de volume para os aparelhos desenhados.
Era básico mas bastante eficaz.
Muito bem, uma das características do mangá é o uso intenso de linhas e hachuras que indicam velocidade e tornam determinadas cenas bem impactantes visualmente por potencializar a ação.
Já havia notado também o uso das retículas para produzir sombreamento, textura de roupas de personagens e tecidos, além do acabamento de cenários entre outros.
Porém para minha surpresa, durante a demonstração de aplicação e uso da técnica de películas – que para mim, na arrogância de pensar que já havia trabalhado com o material não seria surpreendido na demonstração – o mangaká fez algo simples mas incrível em termos de resultado visual e que segundo ele era algo recorrente na técnica do mangá, a raspagem da película com estilete.
Com o uso de um estilete demonstrou que para fazer áreas com brilho basta usá-lo posicionado em um ângulo que permita o movimento de raspagem e que não corte a película.
Feito de forma contínua e controlada a textura original da película vai desaparecendo e dando lugar ao branco do papel que torna-se o brilho da respectiva arte.
A arte do belo olho que encabeça esse post foi feita na demonstração dessa técnica pelo mangaká Maurício Ossamu.
Nunca havia pensado naquela possibiidade que era relativamente fácil mas extremamente eficaz para fazer brilho e acentuar o volume.
O mais incrível foi também conhecer a variedade de texturas disponíveis para a técnica do mangá como céu com nuvens, explosões, plantas, estrelas, splashes e muitas outras.
Nessa jornada cultural a única palestra que pude conferir foi sobre o mercado de animes, mangás e colecionáveis mas foram as duas demonstrações que roubaram minha atenção.
Mas é claro que a exposição continua sendo a cereja do bolo.
É uma visão prática da força cultural e de informação que o mangá tem.
Baseado nos trabalhos do Naoki Urusawa – que é de uma geração influenciada pelo Katsuhiro Otomo – que apresentam sua técnica abrangente nos mais diferentes temas e já que comecei a arranhar a casquinha de seu universo sinto-me motivado para começar pelo seu “20th Century Boys” e, para por ordem na casa e aplacar a dor na consciência, retomar o “Akira”.
Isso só para começar.
É isso, não perca essa exposição que fica na Japan House, av. Paulista 52, até o dia cinco de janeiro de 2020.
Imagine que você terá a chance de ver inclusive os storyboards e esboços originais do artista.
Já fui duas vezes e quero ir novamente pois as páginas apresentadas em capítulos vão sendo trocadas em datas determinadas para que acompanhemos a evolução da história.
Show demais!
Tem inclusive um vídeo bem legal que mostra uma gravação do artista fazendo seu desenho sobre um painel.
Quero voltar a ver seus esboços – da infância e atuais – com mais atenção na pretensão de tentar entender ou visualizar o início dos traços, para tentar imaginar seu processo criativo.
Sua exposição inspira e promove o conhecimento.
Me tornei mais um convertido ao mangá.
Obrigado por chegar até aqui na leitura e Sucesso pra você!!